"O Que Vamos Fazer?"

OBS: Possíveis spoilers a respeito da cena final do filme.
Scrubs, série na qual Zach Braff (o diretor, roteirista e protagonista de “Hora de Voltar”) atua, é engraçadinha. Não é lá coisa de gênio, tem um humor bem besteirol, mas há momentos inspirados e piadas divertidas, que conseguem arrancar nem que seja uma risadinha. Pode até ser levada como uma sátira, se deixarmos o preconceito de lado e vermos que séries de comédia escrachada também possuem inteligência. Porém, não esperaria que Braff pudesse vir a tornasse uma promessa para o cinema atual: com “Hora de Voltar”, Braff, um sujeito na qual nunca me chamou a atenção, consegue realizar um filme com um tema um tanto usado em uma experiência sensível e por muitas vezes original.
Andrew Largeman é um rapaz aspirante a ator que tem uma vida muito conturbada: é viciado em antidepressivos e não tem uma relação boa com seu pai (que também é seu próprio psiquiatra). Certo dia, Largeman recebe uma telefonema do mesmo avisando que sua mãe morreu. Com isso, ele terá que voltar a sua terra natal e se encontrar com pessoas que não viahá anos.
O roteiro de Braff encontra boas maneiras de escapar dos piores clichês do gênero; um deles é a ambigüidade dada ao protagonista: logo nas primeiras cenas do filme somos apresentados ao cotidiano de Andrew, somente pelo uso de imagens. Nos deparamos com um quarto todo pintado de branco, sem decoração, sem sentido, vazio, assim como a vida dele. Depois, ao abrir o armário de seu banheiro, o espectador vê vários anti-depressivos enfileirados cuidadosamente. Bem-vindo a vida de Andrew. Porém, é interessante ver que Braff não se preocupa somente com o personagem central da trama, como também pelos coadjuvantes. Todos eles muito bem construídos e trabalhados. O personagem de Peter Sarsgaard, Mark, por exemplo, é um completo fracasso na sua vida, mas tem medo de admitir isso. A de Natalie Portman, Sam, outro ótimo exemplo, tem medo de contar a verdade provavelmente para as pessoas não ficarem meio que assustadas com ela. O final do filme também é muito interessante, principalmente pelo fato dele não apresentar um “ponto final na história”. O destino dos personagens é uma incógnita para o espectador (“O Que Vamos Fazer?”, diz o personagem de Braff).
Como diretor Braff também se sai muitíssimo bem. Utiliza uma narrativa que escapa do piegas, do pior dos melodramas, e acaba induzindo muita sensibilidade e delicadeza em seu filme. Consegue também usar muito bem de certos artifícios como o slow motion (a cena em que ele está em uma festa, onde todos se drogam com cocaína, ecstasy, etc., é muito boa) e um zoom out. Aliás, este último é usado no muito provavelmente melhor momento do filme: a parte é a que uns dos personagens soltam um grito em frente a um abismo (aliás, uma excelente metáfora é feita entre este e a vida dos personagens). Outra cena muito boa e que Braff dirige com uma enorme delicadeza é a do “funeral” do pequeno hamster da personagem de Portman. Muito tocante.
As atuações do elenco também são bem competentes. Braff está ótimo, fiel ao personagem, não exagera na expressão, etc. Portman é excelente atriz (uma das melhores da atualidade, sem dúvida), e nos entrega aqui uma atuação muito, muito boa. Outro surpreendente é o Sarsgaard; performance excelente a do cara. Eu já tinha gostado dele em “O Preço de uma Verdade”, mas aqui eu virei fã, de verdade.
Enfim, “Hora de Voltar” é um bem sucedido trabalho de estréia. Zach Braff se mostra muito talentoso e uma grande promessa para o cinema. E que venha logo seu próximo filme!
Cotação: 4/5 (7.5)
Ouvindo: The Shins - New Slang