Marcas da Violência (A History of Violence, 2005, David Cronenberg)
O TEXTO A SEGUIR CONTÉM ENORMES SPOILES A RESPEITO DA TRAMA
Se fosse somente um filme de ação, com o único intuito de divertir, Marcas da Violência já se sairia muito bem nessa proposta. Mas David Cronenberg possui cerébro suficiente para criar algo superior a isto, algo cheio de significados. Primeiramente, o filme surge como uma crítica cheia de ironia ao esteriotipo imposto sobre a família norte-americana (nesse ponto Cronenberg acerta em tudo; seja na composição das casas ou no filho que salva seu time de beisebol no último minuto). A coisa toda fica ainda mais interessante quando esse sonho americano que a família Stall vive vai sendo desconstruído, e é aí que o tratado sobre a violência que Cronenberg se propõe a fazer entra cada vez mais em jogo: no filme, assim como na vida real, o que move as personagens é a violência, todos estão sujeitos a ela, e até mesmo o mais bonzinho, o mais pacifista pode vir a se corromper, porque a violência é um ciclo, que, quando se inicia, nunca acaba.
Marcas da Violência também surge como um estudo sensacional sobre o seu protagonista, Tom Stall (que é, desde já, um dos mais memoráveis personagens dessa década). É um homem que tenta manter uma máscara, mas quando ela cai toda a verdade sobre ele é revelada, porque a nossa natureza não pode ser apagada simplesmente (o que o transforma em uma espécie de anti-herói). Há uma cena no filme, no seu clímax, que Tom Stall (vivido pelo Viggo Mortensen, numa das melhores interpretações do ano passado) conversa com seu irmão (vivido por William Hurt, muito bem em cena): é um dos momentos-chave da produção, a cena do acerto de contas, em que Tom Stall se transforma por completo em Joey Cusack. Mas, como se não bastasse, logo após essa cena temos o provavelmente melhor momento do filme: a família reunida na mesa de jantar, momento silencioso, ninguém fala nada, um close em Viggo Mortensen com olhar de quem pede perdão, a tela escurece, o filme acaba. Grande desfecho para um filme melhor ainda.
Ouvindo: Bob Dylan - Shelter From the Storm