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Punch Drunk Movies

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segunda-feira, junho 13, 2005

Sobre Meninos e Lobos

Sobre Meninos e Lobos (Mystic River, 03)

Sean Penn and Kevin Bacon in Warner Bros. Mystic River

Os três protagonistas de “Sobre Meninos e Lobos” (Jimmy; Sean e Dave) são mergulhados em seus próprios dramas: o primeiro tem que lidar com a perda da sua filha (na qual a trama do filme gira em torno); o segundo está brigado com a sua mulher, que, constantemente, liga para ele sem falar nada, nem mesmo para falar o nome da filha do casal que nasceu; e o terceiro foi abusado por dois pedófilos quando ainda estava na pré-adolescência. E estes três personagens são retratados de uma maneira fria e perturbadora (no melhor sentido destas duas palavras) pelo roteirista Brian Helgeland. Na verdade, estes dois adjetivos que acabei de usar não servem somente para caracterizar a complexidade dos personagens, e sim toda a trama (novamente no melhor sentido dos dois adjetivos).

Jimmy Marcum (Sean Penn), Sean Devine (Kevin Bacon) e Dave Boyle (Tim Robbins) são três amigos do bairro. Eles, como de costume, estão jogando hóquei na rua, quando a bola cai dentro de um bueiro. Sem esperanças de que irão conseguir a bola de volta, um dos amigos tem a idéia para que cada um do grupo escreva o seu nome em uma calçada com intenção de que eles fiquem eternizados ali para sempre. Mas, quando um dos amigos está escrevendo o seu nome, um carro para na frente de Jimmy, Sean e Dave. Um homem sai do automóvel afirmando ser um policial e briga com os garotos por eles escrevem seus nomes em uma “propriedade particular”. Depois ele obriga Dave a entrar no carro, afirmando que o levará para casa. Os outros dois do grupo vão logo avisar aos seus pais. Mas é tarde demais: Dave já sofreu abusos por parte do “policial” e isto o deixará marcado para sempre. Porém a história ainda não acabou por aí: 25 anos após aquela tragédia ter ocorrido, Jimmy, Dave e Sean se encontram por meio de uma tragédia: Jimmy, que agora é um ex-presidiário e está querendo se regenerar tem sua filha assassinada; Sean, que agora é um policial, fica encarregado de investigar o caso juntamente com o seu parceiro; e Dave é um dos suspeitos do crime.

O roteiro de Brian Helgeland, baseado em um livro de Dennis Lehane, retrata um tema forte: a pedofilia. Qualquer tema forte como este tem que, é claro, ser tratado com inteligência e competência. E, felizmente, isto ocorre aqui: o mesmo roteirista do excepcional “Los Angeles – Cidade Proibida” fala sobre a pedofilia de uma maneira brilhante e cruel, mostrando também as marcas que isto deixa na pessoa que sofreu abusos. No roteiro de Helgeland, os pedófilos são os lobos e as vítimas dos lobos são os meninos; que depois de já serem as vítimas dos lobos, nunca mais serão as mesmas. Uma das maiores forças do roteiro também se concentram em seus diálogos inteligentes e reflexivos. Em certo momento do filme, o personagem de Robbins chega a afirmar para a sua mulher: “Não sei quem saiu daquele porão, mas, certamente, não foi o Dave”; um diálogo que mostra todo o peso que Dave carrega daquele dia adiante. Existem também outros diálogos reflexivos em “Sobre Meninos e Lobos”, principalmente na seqüência em que o personagem de Penn e Bacon estão conversando: Jimmy afirma que acha que naquele momento em que Dave foi seqüestrado, os três estavam no carro. Ainda nesta cena, o personagem de Bacon pergunta para o de Penn: “Qual foi a última vez que você viu o Dave?”, e Jimmy responde: “Foi à 25 anos, quando ele saiu junto daquele carro”. Outra coisa que é admirável no roteiro é que Helgeland consegue fazer uma competente mistura entre um drama sobre a inocência perdida e um suspense sobre a investigação de um assassinato que possui reviravoltas inteligentes. Outro ponto positivo da história é a sua construção: simplesmente espetacular, ela apresenta os três protagonistas crianças no início do filme, e logo depois ocorre a apresentação dos protagonistas já adultos logo depois da apresentação deles crianças, mostrando ainda o drama vivido por estes ainda na mesma seqüência. A construção dos personagens, como falei no início, também é brilhante: extremamente complexos, Helgeland consegue fazer um excelente estudo de seus personagens, não somente dos personagens de Penn, Bacon ou Robbins, como também das personagens de Laura Linney e Márcia Gay Harden, que, felizmente, também são muito bem construídas e possuem um papel importante dentro da trama.

A direção de Clint Eastwood, vencedor do Oscar de melhor diretor pelo ótimo “Os Imperdoáveis”, tem um grande triunfo: ele conseguiu tratar de um tema denso sem ser piegas ou clichês. Existem vários momentos em “Sobre Meninos e Lobos” que poderiam muito bem querer arrancar lágrimas do espectador, caso o roteiro de Helgeland tivesse caído nas mãos erradas. Mas, felizmente, não é isto que ocorre aqui: Eastwood demonstra grande competência ao fazer um filme emocionante sem ser maçante; retrata a pedofilia de forma escura (mérito também da fotografia de Tom Stern), e sempre de maneira competente. Eastwood também merece méritos pela estrutura narrativa adotada pelo diretor: sem nunca cansar o espectador, o mesmo se interessa pelo rumo que a vida de cada um dos personagens irá levar. Clint também não tem a intenção de chocar o espectador: assim como o roteirista, Clint tem a intenção somente de mostrar a triste realidade sem utilizar uma violência estilizada para fazer com que o espectador se interesse pela trama ou fique chocado com o que vê. Também é notável na direção de Eastwood a sua intimidade com a câmera. Ele utiliza bastante aqui em “Sobre Meninos e Lobos” câmeras aéreas, que, na maioria das vezes, mostra o rio Mystic em uma única tomada (de onde o nome original do filme, “Mystic River”, foi retirado). Também nota-se que Eastwood utiliza no filme vários movimentos de câmera, como na cena em que Dave, ainda criança, está fugindo do porão onde ficou por quatro dias: o diretor coloca na cena uma câmera tremida, como se esta representasse como a vida do garoto ficaria dali adiante: totalmente desorientada.

As atuações são outro grande ponto forte de “Sobre Meninos e Lobos”. Laura Linney é a que aparece menos entre os outros do elenco, mas quando entra em cena demonstra talento. Marcia Gay Harden, indicada ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por este filme, também está bem: somente pelo seu olhar, o espectador sabe o que a sua personagem está passando. Laurence Fishburn, que interpreta o parceiro do personagem de Kevin Bacon, não é nem de longe o melhor do elenco, porém ele interpreta seu personagem com carisma. Kevin Bacon, interpretando Sean Devine, está excelente: ele consegue interpretar otimamente as duas versões de seu personagem: o Sean policial que está exercendo seu trabalho; e o Sean mais humano, que se sente frustrado por estar sem falar com sua mulher durante 6 meses. Mas a maior surpresa do elenco é, sem dúvida, o garoto que interpreta o namorado de Katie, Tom Guiry. O rapaz demonstra possuir grande talento: seu Brendan Harris é uma pessoa que sofre por causa da perda da mulher amada, mas que é ao mesmo tempo um dos suspeitos do crime. Agora, vamos falar dos dois ganhadores do Oscar: Tim Robbins e Sean Penn. O primeiro está muito bem, ele demonstra somente pela expressão de seu olhar e de seus gestos o que seu personagem sente. Apesar de ter achado Benicio Del Toro melhor pela sua interpretação no maravilhoso “21 Gramas”, não foi um grande erro a Academia ter premiado Robbins como muitos chegaram a afirmar. Já o segundo, Sean Penn, é o melhor do elenco. Sua interpretação de Jimmy Marcum é impecável, arrebatadora: o seu personagem é uma pessoa amargurada pela perda de uma filha, e que faria de tudo para fazer justiça com as próprias mãos. Com certeza, o ano de 2003 foi o ano de Penn, as duas melhores atuações deste ano foram (por este “Sobre Meninos e Lobos” e por “21 Gramas”) dele. Acho que ele deveria ter concorrido por estes dois filmes; mas o que importa é que já estava na hora dele receber a estatueta dourada.

Enfim, “Sobre Meninos e Lobos” é um filme brilhante. A pedofilia aqui é retratada com o devido cuidado e delicadeza por Clint Eastwood. Pode não ser a sua grande obra-prima (“Menina de Ouro” é um pouco melhor), mas ainda assim um filme obrigatório.

Cotação: 5/5

Até mais e abraços; Rodrigo


Ouvindo: Beck - Everybody's Gotta Lern Sometimes

PS: Oba! Comprei hoje o DVD de "Os Excêntricos Tenenbaums"; já já vou reve-lo.